Tributo em Pauta: O que mudou com o ICMS sobre Transferências e a ADC 49?

Na última quarta-feira (19), o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento da ADC 49 e confirmou a decisão proferida em abril de 2021 de que não incide ICMS sobre as operações interestaduais entre empresas do mesmo titular (matriz e filiais). No entanto, esta decisão do dia 19 de abril trouxe duas novidades: Estipulou a modulação de efeitos da decisão, prevendo que ela somente deve produzir efeitos a partir de 2024, exceto para os contribuintes que ingressaram com processos judiciais ou administrativos para o reconhecimento da não incidência do ICMS nas transferências entre estabelecimentos do mesmo titular até a data de 29/04/2021; e Esclareceu a questão da manutenção e transferência dos créditos, estipulando que os contribuintes terão o direito de manter e transferir os créditos de ICMS para os estabelecimentos localizados em outros Estados, mas que isso somente irá ocorrer a partir do ano que vem (2024), cabendo aos Estados regular o procedimento para que isso seja viabilizado. Estas duas novidades já eram esperadas por nós, conforme alertamos aqui na Coluna Tributo em Pauta no artigo de 5 de maio de 2022. Então, podemos considerar esta decisão do STF de 19 de abril deste ano uma vitória dos contribuintes? Acreditamos que não é bem assim… Isso porque a não incidência do ICMS sobre as operações de transferência de mercadoria entre estabelecimentos do mesmo titular já era reconhecida pela jurisprudência do STF e também do STJ (Superior Tribunal de Justiça) há décadas. Caso o leitor queira mais detalhes sobre este histórico, recomendamos a leitura do artigo mencionado acima. Trocando em miúdos, o STF decidiu que a incidência do ICMS sobre transferências é constitucional até abril/2021, semi inconstitucional até dezembro/2023 e inconstitucional a partir de janeiro/2024, dependendo de ter questionamento administrativo ou judicial pelo contribuinte até 29/04/2021 ou não. Ressaltamos que a decisão apenas confirmou o entendimento já adotado há muito tempo, ou seja, não inovou o entendimento dos Tribunais Superiores. Por conta disso, ao nosso ver, é um completo equívoco a modulação temporal realizada pelo STF para reconhecer tal direito a todos os contribuintes somente a partir de 2024, excepcionando os contribuintes que buscaram o reconhecimento dos seus direitos antes da data de 29/04/2021. Por outro lado, a decisão é positiva para os contribuintes ao esclarecer, de uma vez por todas, que os casos de transferência entre estabelecimentos do mesmo titular não se enquadram na exceção constitucional da não cumulatividade do ICMS, e que, portanto, é sim possível a manutenção do crédito e a transferência para o estabelecimento que recebe as mercadorias em transferência, ainda que este esteja localizado em outro Estado da Federação. Neste ponto, aplaudimos de pé a decisão do STF, que confirma o entendimento defendido pelos contribuintes. Mas, como nem tudo são flores na vida, este direito à manutenção e à transferência dos créditos somente poderá existir a partir de 2024, e ainda precisa ser regulamentado. É bem verdade que a decisão reconheceu o direito dos contribuintes utilizarem tal direito por conta própria a partir de 2024, mesmo na eventualidade de os Estados não regulamentarem a matéria até lá, o que esperamos que não seja necessário, sob pena de elevado risco de autuações fiscais decorrente das prováveis divergências de entendimento entre os diversos fiscos estaduais e os contribuintes. Mas, nossas críticas à decisão não param por aí… Estão excepcionados da modulação temporal todos os contribuintes que entraram com processos judiciais ou administrativos para o reconhecimento da não incidência do ICMS nas transferências entre estabelecimentos do mesmo titular até a data de 29/04/2021 (data de publicação da ata de julgamento da decisão de mérito na ADC 49). Ou seja, para quem ingressou com processo até esta data é reconhecida a não incidência do ICMS sobre as transferências, não precisando aguardar até 1º/01/2024 para exercer tal direito. A dúvida que ficou é: o direito à manutenção e à transferência dos créditos de ICMS nas operações de transferência também está garantido para estes contribuintes excepcionados pela modulação temporal ou não? Em nosso humilde entendimento, a resposta é sim. Contudo, temos muito receio de como isso poderá ser concretizado, pois sequer há regulamentação ainda para o exercício deste direito à manutenção e transferência do crédito de ICMS. Além disso, também não descartamos a interpretação que possa ser adotada pelo fisco de que a exceção à modulação temporal se aplica exclusivamente ao direito à não incidência do ICMS sobre operações de transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular. Estando o direito à manutenção e transferência do crédito de ICMS condicionado à regulamentação prevista para valer a partir do exercício de 2024. Vemos três possíveis interpretações para a decisão do STF: Os contribuintes que ingressaram com pedido administrativo ou judicial de não incidência do ICMS sobre transferência até 21/04/21 têm direito à não incidência e também têm direito à manutenção e transferência do crédito, não sendo alcançados por nenhuma modulação temporal da decisão proferida pela ADC 49; Os contribuintes que ingressaram com pedido administrativo ou judicial de não incidência do ICMS sobre transferência até 21/04/21 têm direito à não incidência e também têm direito à manutenção e transferência do crédito, no entanto somente poderão exercer o direito à manutenção e transferência do crédito a partir de 1º/01/2024 quando será regulamentada a matéria; Os contribuintes que ingressaram com pedido administrativo ou judicial de não incidência do ICMS sobre transferência até 21/04/21 têm direito à não incidência, mas somente passarão a ter o direito à manutenção e transferência do crédito nas transferências realizadas a partir de 1º/01/2024. Enfim, neste momento lembramos aos contribuintes do velho e bom ditado que nos ensina que cautela e canja de galinha nunca fizeram mal a ninguém, logo, é preciso ter cuidado quanto ao exercício do direito à manutenção e transferência do crédito de ICMS antes de 2024. Ou seja, se for buscar tal direito o faça com as precauções necessárias para evitar surpresas desagradáveis. Alertamos que o acórdão da ADC 49 ainda não foi publicado, e que somente foi publicada a ementa da decisão. Talvez nossa dúvida seja sanada com a publicação do acórdão, talvez ela demande a oposição de novos Embargos Declaratórios para esclarecimento, talvez não. Esperamos apenas que esta questão seja esclarecida em breve e que nossas preocupações sejam sanadas para que, enfim, os contribuintes possam ter a sonhada segurança jurídica sobre a tributação de ICMS nas operações de transferências. *Rafael Figueiredo é Advogado Tributarista. Professor de Direito Tributário. Mestre em Direito pela UFBA- Universidade Federal da Bahia. MBA em Gestão Tributária pela USP-Universidade de São Paulo. Especialização em Direito Tributário pelo IBET-Instituto Brasileiro de Estudos Tributários. Ex-Conselheiro do CONSEF-Conselho de Fazenda do Estado da Bahia.Fonte: Bahia Notícias

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