LAURA MATTOS
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A falta de disciplina e interesse dos alunos é, para 63% dos professores brasileiros, um dos principais desafios da educação básica. Além disso, 59% dos docentes reclamam da falta de envolvimento das famílias dos estudantes no seu processo de aprendizagem.
Os dados são da pesquisa Perfil e Desafio dos Professores da Educação Básica no Brasil, realizada pelo Semesp (Sindicato das Entidades Mantenedoras do Ensino Superior) entre 18 e 31 de março deste ano com uma amostra de 444 docentes de escolas públicas e particulares de todas as regiões do país. Para responder às questões, o professor precisava estar trabalhando com educação básica entre 2019 e 2023.
A indisciplina e o desinteresse dos alunos ficaram em segundo lugar entre os principais desafios citados pelos docentes, só perdendo para a falta de valorização da carreira, apontada por quase 75%. Os entrevistados, que puderam apontar múltiplas respostas para a questão dos desafios, reclamaram ainda da falta de apoio da sociedade (61,3%), da baixa remuneração (58,3%), da falta de infraestrutura na escola (57,7%) e da falta de apoio psicológico (39%).
PRINCIPAIS DESAFIOS APONTADOS POR PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA NO BRASIL*
Em %
Falta de valorização e estímulo da carreira – 74,8
Falta de disciplina e interesse dos alunos – 62,8
Falta de apoio e reconhecimento da sociedade – 61,3
Falta de envolvimento e participação das famílias dos alunos – 59,0
Baixa remuneração – 58,3
Falta de infraestrutura, tecnologia e recursos na escola – 57,7
Falta de apoio psicológico – 39,0
Falta de apoio e reconhecimento da gestão escolar – 34,7
Falta de formação continuada e atualização profissional – 22,3
Violência e medo – 18,9
Outro – 4,5
* Os professores podiam dar múltiplas respostas à questão "Quais os principais desafios enfrentados no seu trabalho como docente?"
Fonte: Pesquisa Perfil e Desafio dos Professores da Educação Básica no Brasil, do Semesp (Sindicato das Entidades Mantenedoras do Ensino Superior)Os dados também elucidam o peso da violência no dia a dia das escolas brasileiras. Quase 19% dos professores disseram que a violência e o medo estão entre os principais desafios do trabalho. E, ainda mais assustador, mais da metade (52,3%) afirmaram que já sofreram algum tipo de violência durante o trabalho.
A agressão verbal está no topo do ranking das violências sofridas (46,2%), mas a intimidação, o assédio moral e a agressão física também foram mencionados. E a agressão, de acordo com os docentes, parte justamente dos alunos. Entre os responsáveis pela violência sofrida, 44%,3 são estudantes.
A VIOLÊNCIA SOFRIDA PELOS PROFESSORES NAS ESCOLAS
Tipo de violência, em %
Agressão verbal – 46,2
Intimidação – 23,1
Assédio moral – 17,1
Agressão física – 2,6
Bullying – 0,9
Outra – 6,4
Prefiro não responder – 3,8
52,3% disseram já ter sofrido violência na atividade como professor
Fonte: Pesquisa Perfil e Desafio dos Professores da Educação Básica no Brasil, do Semesp (Sindicato das Entidades Mantenedoras do Ensino Superior)QUEM FOI RESPONSÁVEL PELA VIOLÊNCIA SOFRIDA PELO PROFESSOR
Em %
Alunos – 44,3
Alunos e responsáveis – 23
Funcionários da escola – 16,1
Responsáveis pelos alunos – 8,7
População em geral – 1,3
Outro – 3,5
Prefiro não responder – 3
Fonte: Pesquisa Perfil e Desafio dos Professores da Educação Básica no Brasil, do Semesp (Sindicato das Entidades Mantenedoras do Ensino Superior)Esses não são problemas exatamente novos na educação brasileira, mas, sim, há uma mudança no comportamento dos alunos nos anos mais recentes, um período marcado pelo prolongado fechamento das escolas do país durante a pandemia e pelos prejuízos do uso excessivo de telas, em especial o celular, à saúde mental e ao aprendizado.
Quase a totalidade dos professores (95%) notou mudanças de comportamento dos alunos nos últimos anos. E elas não foram positivas, como se pode depreender. Entre as mudanças recentes que os docentes apontam, além do uso excessivo de celulares estão também alterações comportamentais que podem estar relacionadas a isso, como desmotivação, ansiedade, hiperatividade, apatia, introspecção e agressividade.
Em uma das respostas ressaltadas pela pesquisa, um docente diz que, nos últimos anos, observou nos estudantes dependência tecnológica, dificuldade com a escrita formal e, em suas palavras, dificuldade de concentração em qualquer coisa que ultrapasse o tempo de um vídeo do TikTok. Outro professor falou que os alunos estão viciados em tecnologia e cada mais desinteressados em aprender. Outro entrevistado pela pesquisa reclamou que a turma está mais distraída por causa do celular, desmotivada, indisciplinada. Os alunos só querem usar o celular, lamentou um professor.
Não à toa, é altíssimo o número dos professores que já pensaram em desistir da carreira: quase 80%, na média. Em um cenário já de falta de professores no Brasil, esse é um dado gravíssimo. "Temos que cada vez mais apoiar a carreira do docente", disse Lúcia Teixeira, doutora em psicologia da educação e presidente do Semesp. "A baixa remuneração não é o maior desafio, mas é um grande problema", afirmou. "Além disso, o professor precisa ser capacitado para atuar em um novo modelo de educação, em que os alunos ocupam o centro da aprendizagem, em um processo colaborativo."
A pesquisa com o perfil e os desafios dos professores foi apresentada pelo Semesp simultaneamente ao Mapa do Ensino Superior, que apontou uma diminuição de 35% nas matrículas presenciais em cursos de licenciatura no Brasil nos últimos dez anos.
O estudo, com dados do Censo do Ensino Superior de 2022, mostrou que as matrículas em licenciatura a distância mais do que duplicaram nesse período. Neste ano, 64,4% dos que concluíram a graduação para ser professor na educação básica se formaram em EAD.
E ficou evidente que os professores que fizeram EAD estão menos satisfeitos com a sua formação do que aqueles do presencial. De acordo com a pesquisa, apenas 15% dos que estudaram a distância consideram a formação ótima, ante 34,8% do presencial. Já o número dos que consideram a formação péssima é cinco vezes maior dentre os formados em EAD. São 5%, ante 0,9% dos que estudaram presencialmente.