Uma clínica sem médicos e especializada em cuidados fora do ambiente hospitalar. Sim, isso é possível e já existe aqui em Salvador. Localizada na Pituba, a Clínica do Enfermeiro (@clinicadoenfermeiro) é a primeira do país a reunir esses profissionais em um espaço onde atuam de forma colaborativa para atender aqueles que precisam de um tratamento assistencial e do olhar atento de quem cuida, acompanha e monitora.
“O enfermeiro está ali para gerenciar esse cuidado, identificar sinais de problemas de saúde, articular com outros profissionais e resolvê-los, ou, pelo menos, tentar amenizá-los. Lembro que recebi mensagem de whatsapp de médico me perguntando como é que ia funcionar uma clínica só com enfermeiro. A nossa clínica tem sido um laboratório de inovação”, conta a enfermeira, gestora e fundadora da Clínica do Enfermeiro, Joane Queiroz.
Atualmente, a unidade conta com 35 enfermeiros especialistas que realizaram nos últimos dois anos 1 mil procedimentos em cerca de 600 clientes. Entre os serviços mais demandados estão o de cuidados gerais em pessoas acamadas, coleta de urina para urocultura, passagem de sonda, terapia infusional, tratamento de feridas em geral e de lesões em pé diabético, mais os cuidados voltados para gestantes.
Outra proposta da clínica é ofertar preços acessíveis que variam, a depender da complexidade e especialidade, de R$ 150 (cuidados gerais) a R$ 250 (tratamento de feridas).
“O que é exclusivo do médico é ele quem vai fazer. O que ofertamos é o cuidado do enfermeiro, que as pessoas precisam para evitar internações. Tem muitos procedimentos que podemos dar conta e a população não sabe, como, por exemplo, passagem de cateter central, aquele que vai para o coração”, explica Joane. “Hoje um enfermeiro pode até fazer uma anestesia local de bloqueio para ferida”.
Após dois anos em operação, a Clínica do Enfermeiro acabou de lançar o seu primeiro edital de seleção para novos profissionais credenciados. São 100 vagas no total. Entre os requisitos está o registro, sem pendências, no Conselho Regional de Enfermagem (Coren), ter diploma emitido por instituição de ensino superior reconhecida pelo MEC, além de pós-graduação na especialidade a ser credenciada na modalidade Lato sensu (título de especialista/ residente) ou Stricto Sensu (título de mestrado/ doutorado).
Também é necessário residir em Salvador ou Região Metropolitana (RMS) e comprovar experiência profissional de, pelo menos, três anos. O contrato será na modalidade de cooperação técnica. As inscrições são gratuitas e podem ser feitas até o dia 30 de abril no site www.clinicadoenfermeiro.com.br.
“Precisa ter uma sinergia com a nossa forma de unir o técnico com a sensibilidade: compaixão, empatia, o espirito de servir e uma habilidade que tem muito a ver com o conhecimento técnico aplicado, ou seja, a experiência”, ressalta Joane.
Empreendedorismo
Formada em enfermagem pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), mestre em Gestão da Inovação e Gestão por Projetos no modelo do Project Management Institute – PMI pela Università degli Studi di Padova (Itália), Joane Queiroz sempre atuou na área de assistência em hospitais, em programas de saúde pública na Secretaria do Estado da Bahia (Sesab-BA), em ações colaborativas com o Ministério da Saúde, como educadora e consultora em gestão de serviços de saúde.
O projeto da clínica faz parte de um movimento conhecido como ‘hospitais líquidos (H2.0)’, nascido na Europa e voltado a estimular a criação de serviços que possam ir além dos oferecidos pelos espaços tradicionais. “Fiz um mestrado e comecei a conhecer esses novos modelos de saúde. Assim como a água, os hospitais líquidos chegam em qualquer lugar para oferecer a atenção, o serviço, o cuidado, sem precisar estar no hospital. Essa ideia da flexibilidade de acordo com a necessidade é algo encantador”, conta.
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Clínica foi inspirada no movimento europeu conhecido como 'hospitais líquidos' onde a assistência vai até o cliente, afirma Joane Queiroz (Foto: Paula Fróes/ CORREIO) |
Esse encanto pela enfermagem, na verdade, surgiu quando Joane ainda era uma menina. O pai tinha leucemia e, por isso, ela passava muito tempo no hospital. “Lembro que andava lá, sem entender muita coisa direito, mas via aquelas pessoas ali de branco cuidando e achava aquela mágica linda e ali cresci sabendo que seria enfermeira”, conta.
Em 25 anos de experiência acumulada nas redes de saúde pública e privada, ainda se incomodava muito as limitações impostas para o enfermeiro nas grandes unidades médicas. Um dia, resolveu que deveria pedir demissão de tudo e, finalmente, tornar realidade o sonho de muito tempo da prática de uma enfermagem autônoma e especializada.
“Quando fui trabalhar eu não tinha encontrado essa mágica. E aquilo me deixava muito angustiada. Apesar de sermos profissionais fundamentais na cadeia do cuidado, ainda é comum ouvir pessoas referindo-se a nós como a ‘alma do hospital ou dos serviços’. Entendo que a ‘alma’ é algo invisível, impalpável e subjetivo, o contrário do que somos”, refuta.
Ser enfermeiro está além do trabalho no hospital e na clínica, mas é um projeto que vem para fortalecer essa atuação mais independente, como reforça Joane. “O hospital não pode ser o centro da vida de ninguém. Precisamos sair desse lugar de ‘alma’ e nos apresentar como uma parte viva, ativa e de suma importância nas ações e serviços de saúde”, defende.
Para ela, a pandemia da covid-19, inclusive, vem evidenciando para a população a importância do trabalho. “Mas ainda está longe da realidade cotidiana do que um enfermeiro pode realmente fazer na cadeia de cuidados à saúde”, aponta.
Mudanças
Em 2018, o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) instituiu a Resolução COFEN Nº 568/2018 (alterada pela Resolução COFEN 606/2019), que regulamenta consultórios e clínicas de Enfermagem. No mês passado, a entidade aprovou também a Resolução 685/2022, que normatiza a anotação de RT (Responsabilidade Técnica) por profissionais liberais, seja na condição de pessoa física ou jurídica.
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Sócia da clínica, Danielle Cruz destaca que a expectativa é dobrar o número de atendimentos esse ano (Foto: Paula Fróes/ CORREIO) |
O atendimento na Clínica do Enfermeiro, seja presencial ou em domicílio, acontece em quatro etapas: acolhimento, orientação e identificação das necessidades. Em seguida, o cuidado. Mais adiante a avaliação e também a assistência pós-cuidado. É o que explica a sócia e uma das enfermeiras credenciadas à unidade, Danielle Cruz.
“É visível que mudanças vêm ocorrendo no modelo brasileiro de assistência à saúde que busca desconcentrar as ações e serviços do âmbito hospitalar. O empreendimento é inovador e a expectativa é que estimule discussões técnicas sobre empreendedorismo e inovação em enfermagem, sobre a valorização dessa profissão tão digna, útil e impactante na vida das pessoas”, acredita Danielle Cruz.
Ela acrescenta que a clínica recebe frequentemente diversas solicitações de consultoria para replicar o modelo em cidades do interior da Bahia e em outros estados. Em 2022, após a seleção de novos enfermeiros parceiros via edital, a expectativa é dobrar o número de atendimentos, ultrapassando dois mil procedimentos. A clínica deve fortalecer, inclusive, a oferta de cuidados pós-covid.
“Temos interessados desde o primeiro mês de existência da clínica. Já recebemos a visita de um grupo de São Paulo e existe uma possibilidade de abrirmos uma filial lá”, adianta.
Tendência
A enfermeira e professora da Rede UniFTC, Elisângela Torres, concorda que é cada vez maior, a tendência de um profissional de enfermagem mais dono do rumo da sua própria carreira, mas também do seu negócio. “Na enfermagem atual os enfermeiros não têm mais uma visão restrita aos hospitais e sim pela busca do seu próprio negócio em seu benefício e da população a ser atendida”, comenta.
Para ela, vai de destacar no mercado quem buscar essa autonomia com abordagens inovadoras, principalmente em atividades ligadas à estética, assistência à idosos, gestantes, atendimento em domicílio e cuidado em lesões. “O enfermeiro organizado e que planeja vislumbrando um novo empreendimento, ou seja, a criação de uma nova organização ou novos produtos unindo a ciência e o mercado, possivelmente terá grande sucesso”, explica.
SERVIÇO:
Edital de Credenciamento de Enfermeiros
Nº de vagas: 100
Prazo: 30 de abril de 2022
Inscrições gratuitas: www.clinicadoenfermeiro.com.br
Requisitos: registro, sem pendências, no Conselho Regional de Enfermagem (Coren), ter diploma emitido por instituição de ensino superior reconhecida pelo MEC, além de pós-graduação na especialidade a ser credenciada na modalidade Lato sensu (título de especialista/ residente) ou Stricto Sensu (título de mestrado/ doutorado). Também é necessário residir em Salvador ou Região Metropolitana e comprovar experiência profissional de, pelo menos, três anos.
Mais informações: veja no edital completo
