Salvador terá primeira faculdade com educação afirmativa antirracista

O Instituto Steve Biko anunciou durante as atividades em comemoração aos seus 30 anos que fundará a Faculdade Steve Biko, primeira instituição superior na Bahia voltada para uma educação pautada no antirracismo, inclusão e diversidade. A proposta é "reverter a lógica eurocêntrica e colonial do conhecimento". A instituição, que já está com quase 80% das obras concluídas, deve ser lançada entre 2022 e 2024.

A faculdade funcionará em um prédio localizado na área central de Salvador, no bairro do Campo Grande. Para ingressar na instituição, o estudante precisa passar pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) ou pelo vestibular da Biko.

Entre as novidades apresentadas pelo Instituto neste ano de 2022, está também um acordo inédito de parceria recém firmado com o Instituto Federal da Bahia (Ifba), que permitirá aos estudantes da Biko a utilização dos laboratórios da entidade, e, em contrapartida, a incorporação da disciplina de Cidadania e Consciência Étnico-Racial, carro-chefe da Biko, na agenda do instituto.

A parceria está atrelada ao novo projeto intitulado OgunTec, voltado para o ensino das ciências e tecnologias, que tem, entre os seus destaques, a utilização de podcasts em suas metodologias educativas. Intitulado ComCiência Negra, os Podcasts lançados em 2021 trazendo nomes de grandes mulheres e homens cientistas negros da história brasileira e mundial, ganharão uma nova temporada com lançamento no segundo semestre deste ano.
Comemorações
As comemorações pelos 30 anos do instituto ocorreram neste domingo (31), com uma Trilha Ancestral do Parque São Bartolomeu, no Subúrbio Ferroviário, No local, foi ministrada uma aula especial.

“A trilha vai além das disciplinas do nível médio, quando a gente prepara esses alunos para o Enem no final do ano. É um mergulho no nosso passado, e nos grupos que não só foram hegemônicos aqui, mas foram os principais atores das transformações do parque. Estamos falando dos escravizados que aqui chegaram e dos povos originários, os tupinambás, que tornaram essa área a sua morada. Adentramos aí uma aula de consciência social, aula de história, ciências da natureza, uma aula de linguem e de ciências exatas. Abraçamos todos os conhecimentos nessa trilha”, explicou engenheiro ambiental e professor de Química do instituto, Carlos Cruz.

O percurso da trilha foi até a barragem do Rio do Cobre, um trajeto de seis quilômetros, incluindo a ida e volta – o Parque São Bartolomeu tem uma área 75 hectares – pelos estudantes da turma 2022, batizada Nkosinathi Biko, em homenagem ao filho do líder sul-africano Bantu Steve Biko, e também pelos egressos do pré-vestibular social pioneiro do país na preparação de pessoas negras para o acesso ao ensino superior, que já beneficiou mais de cinco mil estudantes, com número superior a duas mil aprovações nas universidades. Pouco mais de 100 pessoas participaram da trilha.

O parque está entre a Enseada dos Cabritos e o bairro de Pirajá e é considerado uma das maiores e mais ricas áreas remanescentes de Mata Atlântica em área urbana do Brasil. Importante espaço de preservação ambiental, a mata é também é um santuário do candomblé e, desde a época em que existia um quilombo na região, seus rituais são lá praticados. “O que vocês estão vendo aqui e a primeira cachoeira de Oxum, aonde, na religião de matriz africana, as filhas de Oxum, vinham para cá completar o seu ritual. Isso não acontece mais porque a base da fonte dessa água, lá em cima, pela ocupação desordenada, tem poluído. Se vocês olharem ao redor, vocês vão ver espuma. Isso é um aviso de esgoto doméstico”, explanou o professor Carlos.

No trajeto, uma parada da queda d’água de Oxumaré, única hoje no parque que está apta para o banho. “Nesse local, até hoje, as folhas de Oxumaré fazem o seu ritual. Aqui, nesse ambiente, era o ritual de purificação feito por Zeferina. Era aqui que ela preparava os seus guerreiros e guerreiras. Ela se comunicava com essa Mata Atlântica, que ficou conhecida como ‘Floresta Amaldiçoada’, porque as frentes que vinham caçar pretos aqui, às vezes sumiam, desapreciam. Então, tinha o mal agouro, ninguém entreva por causa disso. Era o principal aquilombamento de Salvador”, explicava o professor em meio ao barulho intenso e forte de água corrente.

De origem angolense, Zeferina tornou-se uma liderança no Quilombo do Urubu, onde hoje correspondente à região do bairro Pirajá e do Parque São Bartolomeu. Ela chegou ao quilombo fugindo dos abusos e da violência de seus senhores, e foi acolhida por outros quilombolas que já residiam na região. Em 1826, utilizando apenas arco e flecha, ela liderou 50 homens e algumas mulheres – todos negros – contra mais de 200 homens com armas de fogo e cavalos, que suspeitavam de um planejamento de uma revolução. No final, conseguiram prender apenas um homem e uma mulher, a própria Zeferina.

O método foi aprovado pelos estudantes. “Está sendo muito enriquecedor. Depois vou acessar todo esse conteúdo e relembrar”, disse Naiara Conceição Santos, 29, que ainda na dúvida quanto a carreira seguir. “Mas sei que será na áera de humanas”, completou. Ela estava ao lado da também aluna Suelen Vitória Santos, 19. “Aqui a gente está vendo, tendo um conhecimento além, e lá não, a gente está só no papel ou só no computador. E aqui estamos sentindo a natureza”, disse ela, que quer cursar Direito. Ao final, todos passaram para última cachoeira, a de Nanã, antes de chegar à barragem.

*Colaborou Laiz Menezes, com supervisão da subeditora Fernanda Varela

Correio 24hs

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