Conheça a biodança, prática que concilia dança e música na busca pela saúde

Dança, música e movimento convergem na "dança da vida"

Quando “Alegre menina”, de Dorival Caymmi, ecoa da caixa de som, 23 pessoas circulam por uma sala amarelada pela luz. O que o corpo de cada uma delas faz, ao estímulo dos tons, não é dança somente. Enquanto passam umas pelas outras, às vezes com toques, outras com movimentos de mãos e pés, elas dão vida a uma técnica criada por um chileno na década de 1960 que sobrevive com o propósito de resgatar a saúde – do modo mais integral possível.

Às 19h30, antes de começarem os movimentos pela sala, estão todos descalços e sentados em roda sobre almofadas, amarelas como as lâmpadas acesas. Na meia hora inicial, falarão sobre as experiências da semana anterior, como o corpo e a mente reagiram aos estímulos mentais e corpóreos.

Nesta noite, e nas próximas sessões, a ideia é iniciarem a trilha de trabalho sobre o conceito de antifrágil, a capacidade de evoluir diante de adversidades. Cada sessão é diferente da outra.

“Estou aqui presente, não me sentindo culpada, mas me escutando”, diz uma das mulheres.

Desde 2007, o sistema terapêutico que ganha vida nesta sala onde estamos, no bairro da Pituba, faz parte da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares do Ministério da Saúde. Associadas à medicina tradicional, elas previnem, melhoram e auxiliam na cura de doenças físicas e psicossomáticas.

Em Salvador, há outras salas de biodança em Brotas, Rio Vermelho e Plataforma, nenhuma bancada pelo Sistema Único de Saúde (SUS) (veja endereços ao fim do texto). A mensalidade média é de R$ 250.

Movimentos se encontram em sessão (Foto: Ana Albuquerque/CORREIO)

É a primeira vez da reportagem em uma sessão de biodança na última quarta-feira. Os participantes, com perfis diversos, encontram-se nesse dia, das 19h30 às 22h. Duas “facilitadoras” auxiliam o processo – incitam as conversas do início, escolhem as músicas e organizam as dinâmicas previstas para a sessão.

Depois das falas de quatro mulheres, Hilda Nascimento, uma das facilitadoras, diz:

“Vamos dar movimento a essas coisas que sentimos”.

Os participantes têm cinco minutos de intervalo para tomar água e ir ao banheiro. Quando voltarem, terão o compromisso de, por quase três horas, dançarem a vida – bio (vida em grego ) + dança.

A união do sentir, pensar e agir

A sessão inicia com uma caminhada. Cada um anda como e se quiser. Durante a sessão, tocam canções contemporâneas, clássicas, ritmos tribais – elas são escolhidas para atender o tema da sessão. É como se todas fossem uma só música.

Em determinado momento, os participantes são auxiliados a posicionar as mãos sobre as costas de um colega parado para incentivá-lo a seguir em frente. Mais adiante, uma música disco dos anos 70 é a escolhida. As pessoas encostam nas paredes e devem perceber quando querem se movimentar e parar.

“Perceberam como saíram? Com a cabeça, o peito, os pés? Não existe certo”, diz Hilda, que antes definiu a biodança como “uma teoria que vira algo vivo com objetivo de integrar o pensar, o agir e o sentir”.

Os movimentos únicos dos corpos são uma metáfora para a mobilidade da vida. Em outro momento, cada pessoa passa a representar um número. Em grupos de quatro, numa dinâmica alternada, elas caminham em uma espécie de labirinto vivo. Os demais mudam de posição para criar obstáculos.

Na primeira vez em que fez esse percurso, Silvana Teixeira, 58, ficou atônita. Agora, é possível vê-la se mover com naturalidade. “Não me afligiu, não que seja exatamente algo bom, já não me afeta”, conta a professora, que faz parte de rodas de biodança desde 2010. Chegou com síndrome do pânico e dor no ombro.

“Era reflexo da minha forma de viver, de querer controlar. Hoje eu não tenho nada na coluna (risos). Eu levanto mais a cabeça, isso me fez abrir os ombros”.

O transtorno psíquico foi tratado pela via tradicional – medicamentos e terapia – e a biodança.

Biodança age no sistema nervoso

Os exercícios da biodança são divididos de acordo com os “potenciais genéticos” elencados por Rolando Toro, o psicólogo e antropólogo chileno que criou a biodança há seis décadas. As “linhas de vivência” (fases da sessão) acompanham os potenciais da vitalidade, sexualidade, criatividade, afetividade e transcendência.

Eles agem principalmente no hipotálamo e nos sistemas límbico e nervoso – simpático e parassimpático. “O que os grupos de exercícios tentam é fazer com que o organismo rompa a anestesia – imposta nesse estilo de vida que temos – e relembre o caminho da saúde”, explica Eliana Fonseca, a outra facilitadora do espaço na Pituba.

Colegas se abraçam em sessão (Foto: Ana Albuquerque/CORREIO)

O hipotálamo fica na parte mais interna do cérebro. Nele, estão mecanismos de regulação do sono, apetite e das ações endócrinas, que podem ser afetados por agressores externos, como o estresse. Já o sistema nervoso simpático e parassimpático responde, respectivamente, pelas nossas ações e manutenção do equilíbrio.

Tradução: o simpático aumenta a liberação de hormônios para que a pessoa esteja ativa – em reuniões, por exemplo -, já o parassimpático leva à estabilidade. Na biodança, o primeiro sistema é estimulado por danças expressivas (não coreografadas) e caminhadas que liberam neurotransmissores do prazer, e o segundo, nos relaxamentos.

“A importância é um equilíbrio entre os dois lados. O problema é que no mundo atual as pessoas vivem em alerta, com contínua ativação do sistema simpático. Um simples ‘preciso conversar com você’ se torna uma tragédia”, explica Nildo Ribeiro, doutor em Neurociência e professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba).

O sistema límbico é a região do cérebro responsável pelas respostas emocionais e percepções afetivas. “As práticas integrativas resgatam o equilíbrio e relembram as coisas positivas”.

O exemplo de uma pessoa com hipertensão ilustra como a recuperação desse equilíbrio é um resgate da saúde física. Quando ativado em excesso, o sistema simpático eleva as frequências cardíacas e respiratórias, o que aumenta a constrição de vasos e, portanto, a pressão arterial. “Você age para prevenir o disparo. Não é abandonar o tratamento médico, mas complementá-lo”.

A cozinheira Hannah Nacif, 30, é uma das mais novas no grupo – chegou em fevereiro. “Acho que o que me levou foi a descoberta de que eu tinha que lidar melhor comigo mesma e com o outro”. Na roda, ela caminha e dança contra o medo.

“Eu quero caminhar neste sentido, isso é ridículo? Não sei, mas sou eu”.

Na última aula, estava cansada da jornada de trabalho. Um exercício ainda reverberava no dia seguinte: aquele em que todos mudavam a forma de andar conforme a música era trocada. “A gente precisa o tempo todo exercitar a criatividade e flexibilidade”.

Biodança foi introduzida na Bahia por médica

Rolando Toro desenvolveu, entre 1968 e 1973, a Teoria da Biodança, aplicada inicialmente no Hospital Psiquiátrico de Santiago e na Universidade Católica do Chile. Ele tinha em mente a renovação do corpo e a reaprendizagem das funções originárias da vida – fruir a vida também a partir dos instintos, estimulados pela música na biodança.

Ele costuma dizer que, diante da escuridão (doença), qualquer faísca de fogo já espanta o breu. É no sentido de recuperar qualquer porcentual mínimo de saúde que a biodança trabalha.

Rolando Toro, criador da biodança, falecido em 2010 (Foto: Victor Luengo/IBF)

Era início da década de 1980 quando, em um congresso acadêmico no Rio de Janeiro, a médica baiana Lia Savastano viu uma sessão de biodança facilitada por Rolando Toro. “Ele estava trazendo a biodança para o Brasil e eu fiquei doida ao ver aquilo”, resume ela, que abandonou a pediatria para atuar como analista transacional e facilitadora de biodança.

Na volta para Salvador, estava decidida a implementar a biodança. Para isso, convidou Toro à Bahia. “Preconceito dos outros teve muito. Até hoje existe uma desconfiança, mas é algo científico, baseado na fisiologia do ser humano”, diz Savastano, que perambulou atrás de Toro para terminar sua formação, concluída no Ceará.

Há 33 anos, ela criou a primeira Escola de Formação para Facilitadores de Biodança da Bahia. Para se tornarem facilitadores, os interessados cursam três anos de disciplinas. A Bahia tem 59 pessoas com diploma – 32 em Salvador.

Mônica em sessão de biodança (Foto: Ana Albuquerque/CORREIO)

No fim dos anos 80, Mônica dos Anjos, 61, foi uma das alunas de Savastano em sessões de formação na Faculdade de Medicina da Ufba, no Terreiro de Jesus. “Foi uma grande descoberta”, lembra a facilitadora. O espaço hoje coordenado por ela e a sócia, Cláudia, funciona, há um ano, em uma casa no bairro de Brotas, cercada por árvores.

“Aqui, as pessoas realmente têm buscado por essa compreensão: não de ir para dançar, mas compreendendo a dança e os movimentos como saúde”.

A própria Mônica, diagnosticada com pressão alta, recorre à biodança como instrumento terapêutico junto aos medicamentos. “Antes eu precisava tomar muito mais medicamentos que hoje”.

Mônica é uma das frequentadoras das sessões na Pituba. O relógio se aproxima das 22h quando participantes são divididos em duplas e convidados a abraçar um ao outro. A facilitadora Hilda pede que todos relaxem daquilo que não é natural e balancem, se quiserem, ao som do jazz que toca.

Depois, deitam-se sobre as almofadas e se espreguiçam. A sensação, ao fim, é de que o corpo só pode pertencer ao que está vivo.

SERVIÇO: ONDE ENCONTRAR A BIODANÇA?*

Biocentrum Biodança
Endereço: Rua Rio de Janeiro, 694, Pituba
Contato: (71) 98195-3069

Espaço Cultural 55
Endereço: Rua Deputado Cunha Bueno, 55, Rio Vermelho
Contato: (71) 99252-0628

Associação Coe Quilombo
Endereço: Próximo à praça de São Brás, Plataforma
Contato: (71) 99288-1706

Biodança Pulsar
Endereço: Ladeira do Acupe, 17, Acupe de Brotas
Contato: (71) 98795-1928
*Fonte: Escola de Formação para Facilitadores de Biodança da Bahia

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